Um computador novo. Uma morte. Um aniversário. Uma despedida de alguém que vai passear por dois meses. Um filme cafona e delicioso. Um livro que termina. Um que começa. Nada demais. Um ano que vai. Outro que vem. Mais um natal. Menos um, em perspectiva. Nada mais simples e exato que a passagem do tempo. E a gente não se acostuma.
Diz “não vejo a hora de o ano acabar”, como se a mudança de dígitos mudasse os dias, os sonhos, os planos, a realidade. Como se o ano novo fosse o mesmo que vida nova. A vida é nova todos os dias. Cada minuto faz da vida, nova. E mais velha. É uma contradição, o tempo. Melhor ser de bem com ele. Melhor ser de bem com o ano bom, o mais ou menos, o ótimo.
Melhor comer muita rabanada, quem gosta. E fazer regime amanhã. Melhor comer lentilha, quem acredita. E deixar pra achar que não fez efeito no ano que vem. Aliás, melhor não medir a importância da lentilha. Faça. Faça outra coisa. Faça de novo. Cada um sabe onde anda seu Aquiles, seu Apolo, a Pandora. Não tem receita nem bolo solado. Tem Papai Noel, segunda à tarde, terça de manhã. No meio de outubro. Nas águas de março. Tem festa junina no Natal, sarapatel no réveillon. Cachorro quente e Mister Pizza. Tem rena de trenó e de cabelo, só a grafia é diferente. Tem marmelada e rapadura. O ano todo.
Tem você e as luzes que piscam. As que apagam. As que duram. As que enfraquecem. Tem o supermercado de véspera e o do dia. Tem a noite. Tem o peru e tem presépio. Tem isso e tem aquilo. Tem você e eu e todo o mundo. Tem o eu sozinho e os outros. Tem prosa e poesia. Carnaval e festa de Reis. Tem de janeiro a dezembro. Quatro estações. Muito tempo. Pensamentos incontáveis. Batidas de coração sem matemática. Óculos escuros e de leitura. Sol e chuva. Dentro e fora. Sem perder de vista o dia e a hora, o ritual e as rugas do tempo, natal todo dia, réveillon a qualquer hora, aniversário toda sexta, segunda, começo e fim de semana. Todo riso é válido. Toda lágrima também. São trezentos e sessenta dias multiplicados por tantas semanas e vários sentimentos. O ano é letivo e existencial.