Os papéis na mesa diziam divórcio. As minhas lágrimas diziam que merda. As dele, não sei o que diziam, não somos mais casados. O advogado, sempre pronto pra ser frio, dizia isso é só um papel, a situação de vocês já tá definida faz mais de um ano. E daí? Bom, pelo menos alguém, num cartório no meio da tarde, precisa fingir que papel é só uma folha e que a tinta da assinatura é só uma mistura química azul, preta, vermelha, verde… o arco-íris. Na verdade, qual a necessidade de registrar criança, de assinar paternidade, receber diploma na escola? Hoje em dia, é até ecologicamente discutível. Enfim, o papel ali, as lágrimas espalhadas, os ternos e as gravatas passeando, indo e vindo pra comprar uma paçoca do lado de fora, mais um casamento termina, pra quem quiser saber. É só ir na justiça e constatar assinaturas, que mesmo falsas – de emoção, ou de falsidade ideológica mesmo – querem dizer que um não quer mais o outro e vice-versa, e que dois não querem mais ser um. Revoltada com a natureza da vida, olhando aquele que um dia comeu pipoca comigo e disse quero morrer do seu lado, peguei as lágrimas, pus num balde (desses de conter goteira em repartição) e derramei no papel, na tinta, em tudo. Ele, louco, perguntou o que foi, quer voltar, é isso? Eu disse não, quero afogar as mágoas. O escrivão achou que louca era eu e mandou chamar ambulância. O advogado discava números sem sentido no celular, falava com a mulher e com a filha, dizia veja você, era só pra assinar um papel. O ex-marido – marido ainda, não assinei merda nenhuma – olhava sem saber se achava bom ou ruim. Acendi um fósforo, tirei a garrafa de vodka da bolsa e taquei fogo em tudo. Quer melhor que cartório pra incendiar? Lugar cheio de papel…
O Tal do Storytelling
Diz lá o Yuval Noah Harari, no “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”